No aniversário, Curitiba vê pior epidemia dos últimos 100 anos, mas já enfrentou outros surtos

Redação - Douglas Souza



Assim como acontece com a história da humanidade, a trajetória de Curitiba como cidade também é permeada por diversos surtos de doenças variadas. Daqui por exemplo, vieram os primeiros relatos de dengue que se tem notícia no Brasil. Além disso, em seus primórdios como capital, o município também sofria episodicamente de problemas relacionados ao cólera, febre tifoide e varíola. Em 1918 teve a gripe espanhola. E depois a poliomielite, o sarampo, a gripe suína… E agora o novo coronavírus, que chegou próximo do aniversário de 327 anos da Capital, neste domingo (29).

Dessa forma, é bastante seguro afirmar que a crise mais recente, provocada pela Covid-19, não será a última que a cidade atravessa. Como explica o historiador Kim Alan Vasco, responsável pela curadoria do Museu da Medicina, localizado na Santa Casa de Curitiba, o ideal é pensarmos em ciclos.

“No final das contas, somos animais e as epidemias também são produtos naturais, vêm de outras áreas da natureza e nós estamos eternamente ligados. Desde o começo até os dias de hoje, enquanto a sociedade foi se desenvolvendo, os vírus e as bactérias também foram sofrendo mutações, se adaptando”, diz o especialista.
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A história da origem Santa Casa, inclusive, se confunde com uma das primeiras epidemias ou surto de doença conhecidos na história da cidade. Em 1852, um ano antes da emancipação política do Paraná (até então o território fazia parte da Província de São Paulo), a Irmandade da Santa Casa foi fundada e estabeleceu o primeiro hospital da cidade, em apoio à Santa Casa de Paranaguá, na época lotada de doentes afetados pela epidemia de cólera.

No ano seguinte, após Dom Pedro II, Imperador do Brasil, nomear o Conselheiro Zacarias de Góis presidente da Província do Paraná, já com capital em Curitiba, se muda também para cá o baiano José Cândido da Silva Murici, primeiro médico profissional da recém criada província e que também viria a se tornar o Provedor da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, cargo que ocupou até sua morte, em 1879.

“A Santa Casa era na região onde hoje fica a Praça Tiradentes, uma casinha com quatro quartos e 10 leitos, como se fosse uma enfermaria. Aí recebeu uma doação de uma loja maçônica e criou um hospital provisório para ajudar no combate do cólera, funcionando como uma base de apoio para evitar que a epidemia se alastrasse pelo resto do Paraná. A partir desse combate que eles decidiram fazer o hospital onde hoje estamos, na frente da Praça Rui Barbosa”, conta Kim.

A gripe que acometeu mais da metade da população também foi tratada com indiferença

Em 1917, um surto de febre tifoide voltou a atingir Curitiba, deixando um saldo de 120 mortos. O pior, porém, estava por vir. É que no final do ano seguinte a cidade atravessou três meses que foram verdadeiramente infernais. Foi nessa época que chegou em território curitibano uma epidemia de gripe excepcionalmente virulenta, chamada de gripe espanhola ou influenza espanhola, que teria começado a fazer vítimas no Brasil depois da passagem pelo país do navio Demerara que, em meados de setembro, atracou em Recife, Salvador e Rio de Janeiro.

Na capital paranaense, então com 78 mil habitantes, foram 45.249 gripados entre outubro e dezembro de 1918, o equivalente a 57,7% dos curitibanos. Diretor do Serviço Sanitário da cidade, Trajano Reis, em um relatório sobre a epidemia, informou 321 mortes pela influenza; com a soma dos ‘subúrbios’, o total chegava a 384 vítimas fatais da doença.

“Em 1918 teve isso de isolar, fazer quarentena, notificar os casos, desinfectar, interdição de alguns locais… Na própria Santa Casa faleceram dois médicos, pai e filho, em questão de 15 dias: Antônio Rodolfo Pereira de Lemos e Claudio Pereira de Lemos”, conta Kim Vasco.

A reação entre os curitibanos foi de pânico, o que levou à censura das notícias a respeito, relata Valêncio Xavier no livro “O Mez da Grippe”. Alguns jornais chegaram a falar que a epidemia seria apenas uma gripe comum, mas logo a realidade se impôs. Trajano Reis, em seu relatório, que consta no livro citado, dá uma dimensão da tragédia: “Quando de fadiga não puderam os coveiros abrir sepulturas, mandei gratificar a outros individuos para que as fizessem, de modo a evitar a decomposição dos cadaveres.”
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Saneamento

Até por volta de 1920, os surtos de doenças em Curitiba estavam diretamente relacionados com problemas de saneamento básico. Depois de ser declarada capital da Província do Paraná, a cidade registrou um crescimento vertiginosos de sua população. E enquanto aumentava o número de habitantes, também se acumulavam os problemas de infraestrutura e falta de saneamento.

“A maioria das doenças de antigamente eram relacionadas à falta de saneamento, como cólera e febre tifoide, que devem ter matado mais que a gripe espanhola, se for pegar todos os pequenos surtos", comenta Kim.

Orfanato foi criado após o surto de deonça grave

A epidemia da gripe espanhola levou à óbito aproximadamente 0,8% da população curitibana. Pode até parecer pouco, mas não foi. Tanto que, por conta dos reflexos da doença, as irmãs de São José, que trabalhavam na Santa Casa, criaram o Asilo São Luiz, onde hoje fica o Colégio Sesc São José, em frente a Praça Rui Barbosa (o orfanato ainda existe, mas está localizado no bairro Água Verde, com o nome Lar dos Meninos de São Luiz). “Elas criaram o asilo por causa das crianças que ficaram órfãs por conta da epidemia de gripe espanhola”, diz Kim.

Há mais de 100 anos, recomendações são as mesmas

Há mais de 150 anos as recomendações de prevenção são praticamente as mesmas de agora, durante a pandemia de coronavírus: reforçar a higiene, evitar aglomerações, arejar ambientes, isolar os pacientes infectados, entre outros. “Quando você lê jornais, documentos antigos, é a mesma educação sempre, é a mesma coisa. E a recomendação mais inusitada, que eu encontrei num decreto publicado em 1878, é ‘fugir de todos os conselhos indicados pela especulação’, e hoje fake news é outra questão muito presente. São ciclos”, comenta Kim.

Coronavírus é ‘a pior da nossa história recente’

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o médico Clóvis Arns da Cunha classifica a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, como “a maior pandemia da nossa história recente”. “Nenhum de nós estávamos aqui na gripe espanhola. Na ocasião, até o Presidente da República, Rodrigues Alves, morreu. Para nossa geração, essa está sendo a pior. Por isso é importante que a população confie nessas medidas (as recomendações da OMS). Estamos muito preocupados com o impacto social, mas é o seguinte: ou tomamos essas medidas (de isolamento social) agora, ou depois vai ser pior e vamos ter de tomar medidas ainda mais duras.”

Fonte: Bem Paraná

Redação - Douglas Souza

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